O Rafael Pedrico é engenheiro florestal, e uma das suas principais áreas de estudo é, obviamente, os incêndios.
Com tudo o que se tem dito nos últimos dias sobre o tema por pessoas que adquiriram todo o seu conhecimento à volta de uma mesa de café carregada de minis, torna-se necessário dar tempo de antena a quem percebe mesmo do assunto. Abaixo fica o texto que nos foi enviado pelo Rafael. Vale a pena ler.
Todos os anos, chegamos ao mês de Junho e tudo se lembra o que o nosso amado país sofre com os incêndios, toda a gente fala dos incêndios, são capa de jornais e revistas até Outubro, altura em que se varre o problema para baixo do tapete até ao próximo mês de Junho, infelizmente este ano começou especialmente cedo, e da pior forma que se pode imaginar.
Toda a gente tem a sua opinião mais que formada neste tema que não dominam, criada muitas vezes com base naquilo que outras pessoas sem formação escrevem, ou vêm dizer para a televisão. Estamos num país onde no decorrente ano letivo apenas 23 alunos entraram para Engenharia Florestal, e destes apenas 6 colocaram o curso como primeira opção (os quais tenho o prazer de conhecer pessoalmente)
Infelizmente, todos nós temos um pouquinho de culpa daquilo que todos os verões se passa com o nosso país, todos nós temos ou conhecemos alguém que tem “um terreno lá na terrinha mas que nem sabe onde é”, essas áreas com o passar dos anos convertem-se em matagais densos, e é aí que começa uma grande percentagem dos incêndios.
Acreditem quando vos digo que o verdadeiro problema está longe de ser a área de eucalipto em Portugal. Durante os anos de 1975 e 2009 de toda a área ardida no país, 32% pertencia a áreas florestais, 19% a áreas agrícolas e 49% a matagais. E dos 32% da área florestal a maior parte da área ardida corresponde de longe a pinhais.
Sejam ou não as empresas de celulose bichos de 7 cabeças (com várias práticas com as quais eu não concordo), não os podemos acusar de não terem as suas áreas limpas, que é mais do que se pode dizer de 90% da população deste país que tem terrenos, terrenos estes que inicialmente eram cultivados pelos nossos antepassados e que acabaram por ser abandonados.
Não falem mal dos bombeiros, que para as ninharias que recebem já arriscam demasiado a vida, sejam compreensivos com eles, que fazem o melhor que podem com aquilo que têm, e lembrem-se que mais de metade deles são voluntários com muito pouca formação.
80% da área ardida ocorre em apenas 12 dias do ano, como é que é possível combater isto?!
Seria como diz um grande professor meu “Se 80% das urgências médicas que ocorrem no país durante 1 ano se concentrassem em apenas 12 dias”, imaginem o caos que isto seria, e se seria possível ter recursos para lidar com uma situação dessas.
Não existe uma receita milagrosa para este problema, que não é apenas causado por “más” condições climatéricas ou terrenos abandonados, é também um problema social. Estamos num país onde 98% das ignições se devem a causas intencionais e negligentes.
Enquanto apenas se pode combater os incêndios quando estes ocorrem, pode realizar-se prevenção durante praticamente o ano inteiro, e é nesta componente que devemos apostar.
Infelizmente a prevenção recebe apenas um terço das verbas do combate a incêndios e é nesta parte que nós cidadãos devemos fazer pressão, equilibrar as fatias prevenção/combate de forma a que se possa realizar uma prevenção de forma eficiente com limpezas de áreas extensas e não com recurso a fogo controlado tal como o governo começou a planear este ano, dado que se conta pelos dedos das mãos as pessoas deste país devidamente formadas para o fazer.
Obrigado, Rafael Pedrico